segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Creixomil















Num dia cinzento e frio de Fevereiro, Creixomil, Freguesia que conheço há 25 anos, mostrou-me o seu estado bruto, o seu “eu” mais puro, o Creixomil mutualista. No dia em que se comemora a Santa, o dia religioso (2 de Fevereiro), Creixomil assume contornos de espiritualidade. Vêem-se velas nos beirais das portas e janelas e o frenesim é intenso, embora quase silencioso. Na Pascoela, nos dias em que se comemora a Padroeira (sempre no fim-de-semana depois da Páscoa), Creixomil reveste-se de grandiosidade, o imprevisto só dá pelo nome de chuva, a vinda do artista mais pimba do momento é motivo de orgulho até para os que não apreciam esse tipo de música, os comes e bebes na barraquinha são uma tradição. No dia do cortejo/leilão (algures entre o dia da Santa e a festa da Padroeira), Creixomil não se reveste de nada. Despede-se para ser puro, para ser verdadeiro, para ser Creixomil em estado bruto.
Ontem, num dia de muito frio, comecei a assistir cedo aos rituais do cortejo. “A nossa prenda é para levar ao Café S. Miguel… O nosso carro sai da cooperativa, mas se não fores ao café, vai sem a nossa prenda”. Poderia lá o carro da Rua dos Cutileiros/Alberto Viera Braga (ou simplesmente zona do ciclo)/Travessa da Arrufina/Rua da Igreja/Travessa do Salgado (aquela que vai pra Esso…) seguir sem a nossa prenda. Cheirava a frango assado a minha casa de manhã. Sai para cumprir funções laborais, prometendo vir a tempo de levar a prenda. “Eu ia lá, mas tu gostas… E o povo gosta tanto quando te vê participar nisto”. De volta, eram 14h00, mais ou menos, já estava gente junto à padaria e outro aglomerado perto da antiga Casa do Povo. “Tava a ver que não… Olha, já foram para a cooperativa... Mas a Judite prometeu que te deixa subir ao carro pra dar a prenda quando passarem aqui à porta. Este ano o cortejo passa aqui…”.
Uma rosca envolve um frango assado e chouriças. Os palitos com azeitonas são para ornamentar. O pano de renda também. Creixomil no seu estado puro saiu à rua para o cortejo de angariação de fundos das festas da Pascoela. Até quem pouco ou nada liga à fé, neste dia, não por vergonha mas por querer fazer parte de um qualquer espírito de comunidade que aguarda o ano todo por se manifestar, partilha, participa, oferece coisas, comida, felpos e panos lá da confecção, vinho da propriedade, copos com publicidades que sobram nos cafés, jogos de cama pró enxoval, produtos de beleza de marca e qualidade que vieram do cabeleireiro, galos vivos e galos mortos, bolos e bolos feitos de madrugada, ventoinhas, fritadeiras, muitos e muitos artigos de fábrica … E sai tudo à rua.
Muitos carros… Da Boucinha, do Salgueiral, do Alto da Bandeira, da Cruz de Pedra, do Bairro dos Machados, do Rio de Selho, dos Cutileiros… Os porcos foram oferecidos pelo lavrador de Eiras. A lenha deu a Sra. Dona da Quinta de Laços. E vai o cortejo com o rancho a enfeitar a dureza dos tractores e das carrinhas de caixa aberta. Creixomil em estado bruto! “Vais ao leilão? Arranjam-se pechinchas e o dinheiro é pra festa da Senhora… Vais?”.
Ontem, no monte da Senhora da Luz, em Creixomil, Guimarães, vizinhos que falam uma ou duas vezes ao ano, incluindo aquela vez em funerais ou missas de sétimo dia, ajudaram-se nas licitações. Carregaram cabaças alheias rua abaixo para deixar à frente de portões que raramente transpõem. Arremataram bolos e cabritos assados (“o do restaurante era uma categoria e até passou os 18 Euros”) para convidar os trabalhadores do dia para um lanche. “Era o que faltava hoje ser a Comissão a oferecer… Guardai o dinheiro pra festa…”. Creixomil comunitário, Creixomil mutualista, Creixomil em estado puro!

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1 comentário:

Anónimo disse...

Creixomil é o melhor lugar para viver. Tem uma rua com uma amiga que regista os melhores momentos da nossa terra para que eu possa ver quando quiser. Em creixomil vivemos em comunidade e há muitos momentos em que percebemos que isso ainda não se perdeu. Há pessoas que, com o seu esforço e dedicação, mantêm vivas as tradições. Esta miúda que fez este blog deve ser uma pessoa muito especial porque se lembrou de uma coisa que já me estava a esquecer: O amor à terra e aos que lá ficam.