domingo, 24 de outubro de 2010

TIC TAC

As senhoras da limpeza que ouvem, num rádio de pilhas, fado vadio. Muito rouco… Muito da alma.
O abraço de duas amigas que se reencontram… Felizes… Expectantes no que a noite terá para lhes oferecer apesar de fria.
Os queques com recheio de mousse mais caros do que o suposto… Mais aconchegantes do que o esperado.
Um sotaque espanhol, não vizinho, certamente de longe, certamente por ser quente, por ser, certamente, mais saudoso… Chile? México? Argentina? Cuba? E as moedas a cair a pedir mais trocos. Palavras quentes / sorriso longo / saudades apertadas
Uma bebé a dar os primeiros passos. Uma mãe sozinha embevecida. Comoção? Solidão? Uma bebé feliz. Passos infantis inseguros. Mãos maternais seguras. Amor!
O casal de namorados que se despede…
Cadeiras de intervalo e intervalos de mensagens trocadas.
Auscultadores de música íntima(os) alheios aos toques de telemóvel longos, persistentes, atrevidos.
Durante passeios lentos na espera. Diante de corridas ofegantes no atraso.
Um velho inclina muito os olhos para espreitar os títulos do jornal já tardio, dentro do quiosque fechado demasiado cedo.
Sono nos olhos e nos lábios de quem fica a dar bilhetes a quem parte. Passageiros nocturnos… Repetirão a passagem?
O último cigarro (depois de muitos: longa espera/ crescente ansiedade) antes de entrar.
Cabeças tombadas sobre malas em repouso. Merecido! Corpos depositados sobre mochilas por desgaste. Conseguido!
((Ontem falamos de livros lidos várias vezes (hoje outra vez – acrescento agora) Falamos de absorver e sentir passagens de forma diferente a cada nova, repetida, leitura))
“Não parece que está rindo? Ria pela boca, e, o que era ainda mais inexplicável, ria pelos olhos pardos também”
Olhos outra vez… Lábios mais uma vez… Os meus olhos também! Os meus lábios sobretudo!
E tu que esperas…
Tic, Tac Tic, Tac
Hoje esperam por mim ()
00h33
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sexta-feira, 8 de outubro de 2010

(ainda) incompleto


“Embalo” foi o nome dado à música. “Embalo” é o nome dado ao acto de “embalar”. Embalar-me-á este estado de alma, este estado de madrugada, este estado de ser e não ser ao mesmo tempo. Embalar-me-á? Podia muito bem começar este “embalo” com uma canção de embalo. Esteve em estado de “embalo” durante semanas o acto em si. E o mote, de embalo, atreveu-se agora a tomar vida. Com A “Canção de Embalar”.
Dizem que “não há festa como esta”. Dizem apaixonadamente. Diziam-me que me apaixonaria também. Disseram-me apaixonados. E demorou. E cumpriu-se. E o acto em si, a reflexão demora, mas cumpre-se. Devagarinho!
“Descoberta” foi o estado de alma transportado para o recinto (grande demais. exageradamente grande) “Liberdade” foi o estado de madrugada recolhido. E ter de regressar à realidade? E ter de voltar a suportar o “peso” da reflexão vagarosa. Contraditório porque não existe, à partida, peso no embalo.
E descobriu-se o sr. Zé que esteve preso quatro anos por fazer um jornal clandestino. E bandeiras com listas (algumas negras) que não escondem o sotaque galego. E descobriu-se a força das mensagens e a força, também é verdade, dos carimbos e dos rótulos. Tantos, a maioria talvez, rótulos orais. Formas simples, à primeira vista, de chamar e cumprimentar. Formas pesadas e complexas, se pensadas, reflectidas. E descobriu-se um livro que falava de sede e de água a jorrar da boca. E tantos discos antigos, colecções, horas que foram pequenas, segundos que pareceram eternidades. O sr. Zé fez da vida uma batalha. Uma batalha ao sabor dos caracteres que ia colocando na sua máquina, mãos cheias de tinta, óculos embaciados de emoção nas linhas que contava, folhas de papel… Folhas de “embalo”. E descobriu-se que há lugar para o folclore e para o jazz e lugar para molhar os pés em dia de muito, muito, muito calor. Às tantas, descobriu-se um jacto de ar fresco novo. Diferente. Descobriu-se depois do sr. Zé e depois da interiorização dos rótulos e depois do livro sobre a sede. Antes dos apontamentos e durante a interiorização das mensagens.
Embalou a primeira madrugada. Tudo a perder? Tudo a ganhar? Tudo a descobrir? Liberdade afinal? Embalou a segunda… Essa mais galega. Perdeu-se muito, mas descobriu-se tanto, sobretudo nas mãos cheias de tinta de um sr. de 70 anos que fazia um jornal, outrora clandestino, com a calma sábia de quem tem convicção da batalha e dá o peito à luta. O embalo do regresso… Dar também o peito à luta. Mas foi de “Liberdade” e não de “Descoberta” que se desenhou o “embalo”, num estado de alma de ser e ser tão pouco ao mesmo tempo, do regresso. Depois daqueles segundos que pareceram a eternidade toda e antes do jacto de ar fresco. Novo. Pesado. E a sede? E o nome que se deu à música? Tinta a mais nas mãos...
Dorme meu menino a estrela d'alva / Já a procurei e não a vi / Se ela não vier de madrugada / Outra que eu souber será p'ra ti / Outra que eu souber na noite escura / Sobre o teu sorriso de encantar / Ouvirás cantando nas alturas / Trovas e cantigas de embalar / Trovas e cantigas muito belas / Afina a garganta meu cantor / Quando a luz se apaga nas janelas / Perde a estrela d'alva o seu fulgor / Perde a estrela d'alva pequenina / Se outra não vier para a render / Dorme qu'inda a noite é uma menina /
Deixa-a vir também adormecer
Zeca Afonso
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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Café (verdadeiro) da minha rua

“Existia há muito mais de trinta anos… Ainda o Aires dava filmes nas paroquias…”. Para quem não sabe (eu não sabia) “dar filmes” assemelha-se a “projectar”. “Dar filmes nas paroquias” era uma actividade que, nos anos 70 (penso eu… se calhar antes), era muito comum e dava para ganhar uns trocos à parte do emprego diário.
Bem, tudo isto a propósito da notícia que me despertou no fim-de-semana passado e por causa da qual este fim-de-semana dei por mim a fazer a pergunta. “E agora? Tomo café onde?”.

(Falta cheirinho a café nesta "reflexão"... Falta o entusiasmo de querer muito projectar um sentimento. Exige-se sentido prático!)
“Por motivos pessoais, este estabelecimento encontra-se fechado”. O café da minha rua, da minha infância, dos meus fás de cores diferentes a saber a corante e a fazer ranger os dentes, o café dos cafés no sentido literal da palavra porque o café sabia mesmo a café, fechou.
Não vendia jornais, nem tinha guloseimas muito elaboradas, mas tinha uma camisola do Pedro Espinha autografada na parede que ostentava um orgulho que até os mais novos, os filhos dos de sempre e netos dos daquele tempo, percebiam sem nunca terem imaginado que pelo Vitória passou um Pedro Espinha que, só por acaso, frequentava o café da minha rua.
Tinha mesas de bilhar que muito provavelmente viram começar muitos namoros e a rapaziada toda à porta, sentada no asfalto, a fumar cigarros avulso e a comprar Super Bock a meias. E a “menina do colégio” passava e comentava-se que “ela não era de dar treta” ou “que tinha o nariz muito empinado”.

Teve um espanhol que embirrava com os clientes que pediam a colher para mexer o café e não usavam açúcar. O pai da Isabel das explicações de francês e marido da Laurinda que organizava o carro do cortejo da Senhora da Luz.
O café da minha rua, onde todos os primos iam buscar gelados fiado porque “alguém da família há-de vir cá e acertar contas”… Onde ia comprar maços de tabaco para o meu tio, quase escondida, qual cúmplice de travessura de homem já grande…
“Oh Jonny… Hoje são dois… É ou não é? Afinal de contas quando saíres daqui vais tomar café a qualquer lado com teus amigos?” – onde conquistei idade para tomar café, e que café, com o meu pai, sob o olhar atento do meu avô que tomava um carioca de café “compridinho”.
Os mesmos treinadores de bancada de sempre. A “esplanada” improvisada para ver o Sr. do Beco lançar foguetes pela vitória do Vitória (passo redundância).

Tinha uma tômbola com bolinhas coloridas que podiam ser sinónimo de uma caixinha de drajeias ou de um chocolate tamanho familiar.
O café da minha rua… O bom café da minha rua… O S. Miguel. Fechou.
(Não há coerência no uso de pontos entre verbos e nomes próprios que deviam estar ligados… É a tal dificuldade em verbalizar. Casos. Consumados.)

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