quarta-feira, 30 de abril de 2008

Central de Informação

Deram-me o título – “Central de Informação” – e gostei. Ficou!
Era de noite e estava frio. Não sei se o frio era do nevoeiro, porque havia muito, ou se vinha das pedras à volta, porque existiam muitas pedras à volta. Sei que era de noite e que sentia frio. O resto do cenário não importa. Havia um telefone. Um telefone antigo dentro de uma caixa enferrujada com muitos números à volta, alguns riscados, outros incompletos e muitos cardinais e asteriscos no lugar dos indicativos.
Ligavam e ligavam. Ligavam sem parar, sem dar lugar a pausas para esquecer o telefonema anterior. Alguns falavam muito, enquanto outros soltavam frases como se estivessem a emitir mensagens em código. A maioria sabia ser breve e atirava frases já prontas para o registo.
As horas, daquele delírio, não importam. Porque já se sabe que era de noite. Mas as horas, naquele delírio, eram muito importantes. As horas eram registadas ao segundo, depois de um número preenchido na lista cheia de linhas prontas para serem preenchidas.
“Não tenho dinheiro para pagar a conta” – só isso. Alguém não tinha dinheiro para pagar a conta.
“Começaram a namorar hoje e eu vi tudo. Vi-os dar um beijo” – nada mais. Algures começava um novo namoro.
Não me cabia saber quem eram, onde estavam, registar nomes ou moradas, saber se a conta era muito grande e como seria solucionado o problema. Nem tinha de saber se estavam apaixonados, nem porque é que o primeiro beijo tinha sido assistido. Registava.
Função: registar a informação. Afinal aquele telefone era uma central de informações. E a lista ia ficando completa, muito extensa já, com muitos números e frases curtas e simples registadas.
Novo telefonema. Atenção e expectativa do meu lado. Uma voz ofegante do outro. Informação transmitida. Uma frase dura acompanhou e ecoou pelo resto da noite. A caneta tinha deixado de estar firme e alheia aos problemas ou aos triunfos dos outros. A frase ecoava e o nevoeiro começava a desaparecer, dando mais espaço às pedras que pareciam querer engolir a central de informação. “Teve um acidente” – não podia (não tinha essa função) pedir pormenores.
Registo nº X: “Ele teve um acidente” (ponto final).
Ali não havia tempo (nem espaço) para sorrisos ou lágrimas. Só se podia suspirar, entre informações. Suspirar!
Depois, bem depois, o nevoeiro desapareceu e o sol começou estalar as pedras duras. O telefone ainda tocou mais uma ou duas vezes, até a porta da cabine se fechou lentamente, deixando um eco atrás de si. Um eco semelhante a um rasto que dava sinal de chegada à meta. Para mim, o sinal era de partida. E para todas aquelas vozes, o rasto misturava-se com o sinal que os ecos deixam atrás de si. Estava registado. A eternidade diária e imediata ficava registada em frases curtas, simples, concretas e avulsas. O todo era aquela “Central de Informação” que não fazia perguntas... Esperava e registava!

Texto escrito no dia 18 de Abril. Depois de um sonho e de uma partilha.
Registo à espera de uma imagem desejada a sós, mas descoberta a dois.

Foto tirada no dia 27 de Abril. Depois de uma manhã ao sol, numa esplanada partilhada.

"A girafa que comia estrelas"

Às vezes a mãe ralhava com ela:
“Olímpia, Olímpia, lá estás tu outra vez com a cabeça nas nuvens!”

E era verdade, a pura verdade. Aos cinco anos Olímpia já ultrapassava em altura todas as girafas da savana. Era tão alta que quando levantava o pescoço e se punha na pontinha dos pés a cabeça dela desaparecia entre as nuvens.

A mãe de Olímpia, Dona Augusta, não gostava daquilo:
“As nuvens são húmidas e frias, Olimpiazinha, olha que te constipas.”

O pior que pode acontecer a uma girafa é ficar constipada.


(...)

JOSÉ EDUARDO AGUALUSA

Faltam cinco meses e, para já, dou-te as boas-vindas assim... Através de histórias… A tua vida vai estar sempre cheia de histórias. Prometo! E prometo que vais ser sempre a estrela mais brilhante da minha história. Vamos meter a cabeça nas nuvens e conhecer muitas histórias? Para já, dou-te as boas-vindas assim… Até já pequena estrela.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

A B R I L


“País de Abril é o sítio do poema. Não fica nos terraços da saudade, não fica nas longas terras. Fica exactamente aqui, tão perto que parece longe. O mundo é do tamanho que os homens queiram que o mundo tenha: tamanho que os ventos dão aos homens quando sopram, à noite, no País de Abril”
Manuel Alegre
(...)
FOTO: Cravos de papel com mensagens
plantados pelas crianças de Matosinhos nas praças

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Sobre Sonhos

Tantos sonhos…
Sempre sonhos…
Todas as noites sonho. Não sei se sempre sonhei, mas tenho-me lembrado de todos os sonhos.
Todas as manhãs, e às vezes nem é de manhã, me lembro dos sonhos.
Tão nítidos…
Tantos sonhos…
Já acordei num delírio e já adormeci a delirar. Sonho sempre. Lembro-me sempre.
E são sempre sonhos…
Houve os que escrevi, o que contei, os que quero partilhar, e aquele que sonho…
Sempre!
Já acordei em fúria e sorridente e já adormeci num pranto e em paz. Experiências...
Já cansei a mente, já cansei o corpo, sem nunca sentir cansaço.
Mas, sonho sempre!
E ao acordar, ao sentir, o delírio furioso e sorridente é sempre tão nítido.
Nitidez…
Dura, feliz, serena e frágil!
Às vezes, quase sempre, ofegante!
Porquê tantos sonhos?
Sempre, todas as noites, todas as madrugadas, sempre! Sonhos!
Quero dormir…
Já sei que vou sonhar.
Mas desejo dormir…
Quero sonhar.
Ter sonhos!
Sempre!