sexta-feira, 19 de setembro de 2008

I N H O


Muito sereno
Com os dedinhos compridos suspensos no ar
Talvez um sonho
Tremeu
Como uma espreguiçadela gigante
Ou simplesmente porque estava a sonhar
Continuou sereno
Alheio à atenção exterior
Muito intima
Talvez já cúmplice
Labiozinhos perfeitos
Orelhinhas muito bem delineadas
Um desenho
Um desenho muito bonito
Muito sereno
Uma serenidade já activa
Muito real
Ali
Já real
Sempre real
Estaria a sonhar
Tremeu como se quisesse despertar a noite
Para marcar presença
Mas sem acordar
Do sonho
Perfeito
Sereno
Real

A minha estrelinha nasceu
Tem 3,5 quilos, 48 cm, cara redondinha e dedinhos compridos
Hoje (agora mesmo) presenciei e apreciei
Pela segunda vez
Desta vez de noite
Quase em segredo
Quase como uma travessura
A primeira das muitas em que seremos cúmplices
Sussurrei
Rapidamente sussurrei antes de fugir
A frase
Nossa
E a nossa estrelinha estava a sonhar
Obrigado SIS
Nasceu um dos maiores sonhos da minha vida

...

"A girafa que comia estrelas"

(…)

O espirro sacudiu as nuvens e começou a chover.

Choveu durante três dias e a terra voltou a ficar verde.

É por isso que, até hoje, as girafas são amigas das galinhas do mato.

JOSÉ EDUARDO AGUALUSA
...

terça-feira, 16 de setembro de 2008

"A girafa que comia estrelas" (5)


(...)

Não havendo nuvens também não chove – a savana começou a secar. Era difícil encontrar alguma coisa para comer. As girafas andavam muito fracas. Dona augusta já quase não conseguia caminhar. Olímpia era o único animal, em toda a savana, que continuava gordo.

Podia faltar capim, podia ser difícil encontrar árvores com folhas tenras, mas à noite, no céu, havia sempre estrelas saborosas para comer.

Decidiu então partir à procura de ajuda.

Andou, andou, andou. Andou muito. Uma madrugada acordou com um alegre cacarejar. Abriu os olhos e viu Dona Margarida, lá em cima, pendurada numa nuvem.
Levantou o pescoço e foi ter com ela.
Contou-lhe o que tinha acontecido: na savana não chovia há muito tempo, o capim secara, as árvores tinham perdido as folhas, e os animais estavam a morrer.

O que fazer?

Dona Margarida fechou os olhinhos para pensar melhor.
Pensou com muita força:
“Já sei”, disse, “vamos soprar as nuvens”.
Parecia uma ideia tola, mas Olímpia experimentou e deu certo. As duas juntas, sopraram e sopraram, foram pouco a pouco enchendo de nuvens o céu da savana.

“E agora?”, quis saber Olímpia quando finalmente conseguiram juntar uma boa centena de nuvens mesmo em cima da terra seca.

“O que temos de fazer para que a chuva caia?”

Dona Margarida arrancou uma pena da asa direita e coloco-a no nariz da girafa:

“Agora espirra!”

Olímpia espirrou.

(...)

JOSÉ EDUARDO AGUALUSA

Vi. Vi numa estranha máquina em que apareces a preto a branco. Apareces sobre o aspecto de ondas ora serenas ora rebeldes. Ainda não imagino como és. Nem quero. Prefiro ver-te. E da próxima vez estarás mais nítido. E da próxima vez já te vou ver. E da próxima vez já me vou reservar o direito de imaginar como és. Como vais ser. Embora já sejas a estrelinha mais brilhante da tia. Até já…
...

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A certa altura


… A certa altura, dei por mim a olhar para tudo de olhos arregalados, como eles.
Como se visse patos a brincar na água e cabras e ovelhas a pedir carinhos
e pássaros a piar lengalengas pela primeira vez.
A certa altura pensei que era pequenina também
e que tinha direito a rir-me com a mesma inocência que lhes via nos sorrisos.
Hoje, os meninos não abraçaram árvores
mas só porque estava a chover. Era daquela chuva que não pesa nos ombros,
nem impede de caminhar, ainda que a passinhos de bebé, mas escorre pela cara e salpica as mãos antes de encher covinhas de nada…
...
Sexta-feira // 5 de Setembro (16h00) // Passeio com meninos
da Obra do Padre Grilo (Matosinhos) // Parque Biológico de Gaia
...

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Aquela noite de Nick Cave em que
eu não estava
...
Foi 22 de Abril
...

porque é iluminado


Eu hoje tive um pesadelo
E levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo
E procurei no escuro
Alguém com seu carinho
E lembrei de um tempo...
Porque o passado me traz uma lembrança
De um tempo em que era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo
Hoje eu acordei com medo
Mas não chorei nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via um infinito
Sem presente, passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim
(que não tem fim)
De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito
porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu
há minutos atrás
...
Ney Matogrosso
Poema