sexta-feira, 26 de março de 2010


vATICANO / fEV 2010

Nem todos os textos começam de ideias complexas, mesmo que – algo que quase nunca me acontece – a primeira palavra escrita seja o título, esse complexo por natureza, sobretudo por ser de natureza complexa. “Fé”. Palavra escrita (ia escrever que por impulso, mas raciocinei nela ao longo de tempo demais para agora lhe chamar impulso) por necessidade. Por necessidade de verbalizar a palavra F ´ E !
Podia ser o título de uma reflexão sobre sensações diurnas em mãos ou por mãos nocturnas. Poderá ser. Quem sabe? Mas acho que é o título de uma (mais uma) divagação sobre a (cá está ela outra vez) natureza. Complexa? Talvez… Estranho, porque a palavra despertou-me tanta simplicidade ao longo do dia. E por falar em estranho e em verbalizar… Apetece-me escrever na primeiríssima pessoa. Não que não o faça amiúde, mas porque não o imaginava fazer tendo esta palavra como introdução.
Acontece-me sempre, ou quase sempre, quando decido, finalmente, iniciar um texto/relato do que me assalta (neste caso da palavra que me assalta/assaltou) durante o dia, à noite, esquecer-me rapidamente de todas as ideias que me levaram a querer escrever sobre isto. Lembro-me, vagamente, de ter pensado em “Fé” em vários momentos ao longo do dia em contextos diferentes, sob estímulos diferentes e mesmo em momentos de humor diferentes. Quando a vi nos trabalhinhos em material reciclável dos meninos da Escola dos Quatro Caminhos, explicados por uma professora que carrega a responsabilidade de coordenar um projecto como quem carrega a missão de mudar o mundo através de crianças de seis/sete anos "porque ainda podem ser mudadas". Quando a ouvi nas palavras de um rapaz, criança grande, que não sei mais como não iludir. Quando me assaltou ao me lembrar da data de hoje, do mês de hoje, do ano de hoje. Quando me apercebi de como está perto a data, o(S) domingo(S), da quadra do primeiro ano de hoje. Quando ouvi, no relato de uma matosinhense voluntária na Índia, palavras como "religiosidade" e "euforia" na mesma frase. Acho que, em espaços de tempo diferentes, me cruzei várias vezes com a fé… Hoje, quando nada o fazia prever e quando, num dia normal e sossegado, me apetecia desfrutar do sossego de não ter fé e da normalidade de já não ter que pensar nisso.
Fugindo aos tais estímulos do dia e aproveitando a espontaneidade desresponsabilizada da noite, posso enveredar por outro tipo de raciocínio sobre o título.
A última vez que falei de fé em voz alta foi com a autoridade de quem explica um capítulo da História. Foi quando contei a Lenda do monte da minha Freguesia. Antes, penso que falei de fé em voz alta, sem qualquer autoridade, quando tentava explicar a sensação de estar onde, achava eu, me iria (re)encontrar com a fé por ser, acreditava eu, o sítio dela por excelência. Foi quando descrevi a Fé de Fátima como uma Fé desesperada que aprecio, sinto, compreendo. Foi quando me vi sem saber o que fazer à Fé num espaço de Fé grandiosa que não senti, não compreendo e não consegui apreciar, a não ser espelhando-a numa qualquer atmosfera de património mundial, maravilha do mundo ou história da civilização. E antes disso não me lembro de, em voz alta, ter falado de fé a não ser há muito muito muito tempo atrás.
Hoje não falei de Fé em voz alta apesar de ter sentido a palavra a gritar durante todo o dia. Num dia calmo, sossegado, uma quinta-feira quase tão simples e leve como as quintas-feiras dos tempos em que quinta-feira era Quinta-feira. A Fé assaltou-me, enquanto palavra, através de gestos, relatos, esperanças e, sobretudo, assimilações sobre o hoje do(S) próximo(S) dias.


pORTO - mAR 2010

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