quarta-feira, 4 de junho de 2008

Um pequeno/grande mimo

Não sabe porquê mas todos o conhecem por “Tareco” e poucos lhe chamam Eduardo Santos, o seu nome verdadeiro, que fez questão de não esconder, uma vez que, diz, não tem “medo” nem “vergonha”. À pergunta – “Onde mora?”, responde sem reservas: “Moro na rua. Vivo de uma reforma pequena. A minha família só me quer se lhes der o dinheiro todo. Gosto da liberdade de andar sempre a passear”…
Ao lado, Zé Reis apresenta-se de forma diferente: “Moro no bairro dos pobres, junto à Petrogal. Não tenho família. Estou à espera do rendimento mínimo há dois anos, mas parece que o processo está encravado. Arrumo carros para conseguir dinheiro para tabaco e comida”. À pergunta – “Sente que não teve sorte na vida…”, responde sem deixar terminar: “Não tive, mas a vida é mesmo assim”…

…A história de dois homens que partilharam, embora por razões diferentes, a mesma mesa posta…

O “Tareco” do Parque Basílio Teles, onde costuma descansar, depois de vir do passeio que quase sempre passa pela Rua Brito Capelo, orgulha-se de ter tido muitas profissões – pescador, pasteleiro, entre outras – e dos tempos que passou na Alemanha, na construção civil, onde se aleijou numa perna. De volta a Portugal ainda continuou a procurar trabalho – “Tomara eu trabalhar”, desabafa – mas da procura à reforma por invalidez, e da reforma ao mau estar em casa, “foi um pulo”. Agora é, repetimos, o “Tareco” do Basílio Teles que com 260 euros mensais e a ajuda do Lar de Sant’Ana, onde vai almoçar e tomar banho diariamente, lá vai fazendo a sua vida sem prescindir do bem mais precioso que adquiriu ao optar por este modo de vida: “A sensação de liberdade é muito boa”.
Questionado sobre os principais gastos de quem vive cá e lá, com e sem tecto, responde: “Primeiro está a comida. Não é um vício bom, mas quando recebo a reforma compro logo os cigarros do mês todo. Escolhi viver assim, porque para viver, para viver como a gente toda vive, este dinheiro não chegava”. Eduardo Santos só lamenta um gasto que deixou de ter: “Já não sou sócio do Leixões. Deixei de pagar por isso já não sou. Era o 6853”, diz, quase a soletrar, vincando o número que, por perdurar na memória, mostra como continua a ser – sem cadeira e sem cartão – “um verdadeiro leixonense”.
A história e até o olhar de Zé Reis são um bocadinho diferentes. As lágrimas começam a engrossar e a escorrer pela cara quando se pergunta pela família: “Não tenho pai nem mãe. Vivo assim porque não tive sorte”. Acerca do modo de vida que escolheu, mais do que explicar o porquê da escolha, recorda que o “ofício de arrumar carros” é “bem melhor do que matar e roubar”, coisa que “nunca” lhe passou pela cabeça, apesar da tristeza que sente por estar “sozinho no mundo”.
Zé Reis foi pintor e empilhador. O último emprego que teve foi numa fábrica da Maia que fechou depois de um roubo e de um incêndio. Guarda boas recordações da J. Gonçalves Morais e dos patrões que, lembra, “não tiveram culpa nenhuma dos despedimentos porque tiveram azar”. Questionado sobre os seus passatempos e esclarecido que “passatempos” não é o mesmo que “boa vida”, conta-nos: “Às vezes não sei o que fazer e deito-me na cama a pensar. Vou convivendo nos cafés com alguns amigos, mas fujo logo porque não quero nem posso passar dos dois copitos de vinho. Não me meto em confusões. Isto não é uma boa vida, é passar o tempo…”.

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Eduardo Santos tem 48 anos e é natural de Matosinhos. Já Zé Reis, de 51 anos, é leceiro de “alma e coração”. Estiveram num almoço promovido por quatro alunos da Escola Secundária da Boa Nova, Leça da Palmeira, num dia diferente que ambos classificaram com “cinco estrelas”
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exertos de peça publicada no "Jornal de Matosinhos" com o título: "Alunos da Boa Nova promovem almoço para pessoas carenciadas"_edição de 30 de Maio

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