quinta-feira, 12 de junho de 2008

Liberdade
Jorge Marmelo, Público_edição: Quinta-feira, 12 de Junho de 2008
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O texto que hoje devia ocupar este espaço estava alinhavado desde domingo, mas ontem, enquanto lia aqui no PÚBLICO a entrevista da Matilde Rocha Dias ao checo Antonín Panenka, resolvi mudar tudo, um pouco como fez David Villa no lance do terceiro golo da Espanha frente à Rússia: parecia que ia tentar pela esquerda, que ia desequilibrar-se pela pressão do defesa, mas, num desses instantes que mudam o rumo dos acontecimentos, puxou a bola para a direita e reinventou uma jogada que parecia perdida. O futebol é assim mesmo, tanto mais extraordinário quanto seja entregue a intérpretes capazes de esquecerem os milhões de pessoas que têm os olhos postos neles nesse instante, jogando como se ainda estivessem no recreio da escola, no quintal com os primos ou, vá lá, no clube do bairro onde ensaiaram as primeiras habilidades a sério, com linhas traçadas a cal num campo de saibro enlameado.Instado a definir o louco penálti que deu a vitória no Europeu de 1976 à Checoslováquia, Panenka explicou-o como "uma ode à beleza e à liberdade". "Naquela final de 76, tenho a certeza de que fui o jogador mais livre do mundo", acrescentou. Um tipo achacado ao sentimentalismo lê isto, emociona-se e decide deixar inédita uma crónica que teria por título a palavra "optimismo" e a trocá-la por outra que se inspirará precisamente na liberdade que Panenka sentiu nessa longínqua final de Belgrado. Trata-se, no fundo, da mesma coisa: o checo jamais teria marcado aquele penálti daquela maneira se não fosse um optimista do futebol, capaz ainda de acreditar que há lugar para a liberdade individual (e para a poesia) na prisão claustrofóbica dos sistemas tácticos, das pressões altas, das marcações individuais e do cinismo dos resultados.
O caso é que, tal como sucede na vida comum, o futebol precisa absolutamente do optimismo desbragado e da louca liberdade dos seus melhores cidadãos. Scolari pode confiar pouco nos homens e não apreciar particularmente a iniciativa individual, preferindo encomendar-se à virgem de Caravaggio, mas o que o mundo recordará do primeiro jogo de Portugal neste Euro 2008 será a louca correria de Pepe em direcção à baliza de Volkan, esquecido da função que lhe estava destinada e das regras que o aconselhariam a não se aventurar tão longe da baliza que devia, antes de tudo, tratar de defender.Para os amantes de Panenka, do optimismo e do futebol positivo, este Euro 2008 tem sido uma pequena festa: a cínica Grécia perdeu, a hipócrita Itália ruiu diante de uma Holanda que avança em campo garatujando versos no relvado e o passe de Iniesta para o segundo golo da Espanha contra a Rússia é daqueles momentos que nunca mais se esquecem. O médio do Barcelona modificou a geometria e inventou espaço onde ele não existia antes - e mudar as regras é algo que só está ao alcance dos espíritos livres.
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De manhã, depois de um encontro com antigos conhecidos do estágio, e depois daquele momento que se vai sucedendo de “conheço-te de algum lado, mas de onde?”, aos quais respondo sempre, já habituada/conformada, com um sorriso nos lábios “estagiei lá em 2006”, lembrei-me: “Gostava tanto de ler as tuas coisas e tenho-me esquecido de estar atenta…”.
Agora, depois de uma tentativa de conexão com a realidade Euro2008, para além da conexão Euro2008 que vai para além da tentativa, esbarrei num texto do conhecido que vi de manhã. E gostei, outra vez.
Coincidências?
… Simpáticas!
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