quinta-feira, 12 de junho de 2008

Bom Dia 4D

A resposta a uma pergunta que me fizeram há mais ou menos um ano: “De que é que tens mais saudades?”. Na altura, respondi: “Foram tantas coisas…”.

De que é que tenho mais saudades…

Hoje, aqui, sentada na praça onde fui desafiada a integrar uma animação de rua – estava de lenço na cabeça, lembro-me bem, e fomos ao restaurante chinês a seguir, na zona nova, foi depois da missa que cumplicemente assistia acompanhada – apetece-me responder a essa pergunta.
De que é que tenho mais saudades...
Do fim de tarde. De um daqueles fins de tarde que não tinha horas. Tenho saudades de ser a segunda a chegar à sala e de me render ao sofá. Sorrir ao gozo que um “Bom Dia” bem português me era dado pela mais corajosa e primeira a chegar à sala. Retribuir o “Bom Dia” num aceno mudo, quase maroto ou num misto de rendição ao sono com vontade de despertar. Esperar pela terceira a chegar à sala e depois observar…
A Mariana a beber sumo de palhinha. A Catarina a tratar dos estragos das unhas da noite anterior. Um sofá para cada uma, ambas alheias à minha observação, as três à espera que alguém iniciasse o fio condutor da vivencia de véspera.
O fim de tarde… O nosso fim de tarde do 4D, de onde se via o sol a pôr-se entre prédios e muros com o pico da catedral ao fundo, pequenino mas visível, conforme o nevoeiro, o do clima, e o dos olhos do 4D.
No 4D, o fim de tarde sem horas era simples: três pessoas, três amigas, três portuguesas, sentadas, entretidas ou não, ensonadas quase sempre, alheias aos fins de tarde para lá da Calle San Xoan.
Tenho saudades de não ter coragem de me levantar rendida ao sofá que me embalava o tardio despertar. E tenho saudades do início da roda-viva, das mensagens que começavam a soar, variando o corajoso que iniciava o projecto de dia, ao fim da tarde.
Tenho saudades de ganhar coragem de me levantar porque era preciso fazer compras, pensar no jantar, arrumar a véspera e decidir se são precisas uma ou duas mesas no centro da sala. Tenho saudades de regular o fim de tarde, sem tempo, pelas luzes que se acendiam, aos poucos, lá fora. Tenho saudades de regular a necessidade de despertar pela hora de fecho do Gadis.
Ver a Mariana acabar o sumo e pedir pormenores sobre os planos. Ver a Catarina começar a arrumar tudo, freneticamente, deixando cair vernizes no meio de garrafas de Estrella Galicia. Ver a noite cair… Guardar uma qualquer recordação de véspera no bloquinho das recordações e correr para ser a primeira a tomar banho.
Do que tenho mais saudades…
Da rotina dos fins de tarde do 4D. Pareciam sempre diferentes, oscilando entre o alheamento preguiçoso e a adrenalina expectante.
Do que tenho mais saudades…
Do “Bom Dia” português da Calle San Xoan, ao final da tarde.
...
Santiago de Compostela // 5 de Junho de 2008 // 18h30

*Tentei ir a nossa casa. Tentei ir ao 4D, mas ninguém atendeu. Queria que a foto fosse recente e queria saber quem vive lá agora. Queria saber se ainda se vê a Catedral ou se tiraram ao 4D, com a construção de novos muros, a vista, os picos, o horizonte. Não abriram, não atenderam. Não pensei nessa possibilidade. Tinha ensaiado o discurso para pedir para subir e percorri o túnel da Dra. Dubra Cabeza várias vezes para ganhar coragem. Pensei que se não conseguisse era porque não tinha coragem de pedir ou porque não me deixariam. Não me lembrei que podia não estar ninguém no 4D. Regressei ao centro, comprei dois postais e escrevi para duas amigas.

FOTO: tirada a 15 de Janeiro de 2005 (diz o item "propriedades" da pasta "casa"/ERASMUS)

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