sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Ruinas citadinas /sentir cidades/ 3



Ouvi-as sussurrar tantas histórias...
Gemiam sem medo de cair. Gemiam sem dó de morrer. Só gemiam, sussurrando histórias, recordando conversas, lembrando encontros, olhares, grandes produções e grandes festas...
As paredes da história... Os vidros estilhaçados pela força da memória.
Sussurram e gemem em convivência amena com a mudança dos tempos e sem fúria pela ignorância do passado.

Já sabes que o meu Zé namora pra tua Ana?
Pois, eu tenho-os visto muito juntos…
É, namoram! Ele não me quis dizer desde quando. Ficou todo corado quando o irmão falou disso à mesa.
Pra mim, namoram desde que tão na mesma turma. A Ana não há dia que chegue e não fale dele: que tem um trabalho com ele, que ele a veio trazer à porta…
Pois… Deve ser deve. Pela cara do meu Zé, é coisa pra ter algum tempo.
E olha que até faço gosto!
Claro, e eu também!

Viste a novela ontem?
Não, o pai do meu homem voltou a ter febre. O médico foi lá a casa…
Tá feio?
Tá! É por dias. Até os meus cunhados estão consciencializados.
É vida!
É. Dá-me pena… tantos anos a olhar por ele, ganha-se um certo amor sabes?
Claro, eu sei como é!
Mas que se passou?
Nada, aquilo não ata nem desata…

Viste o que é hoje?
Não! Nem vou ver. É sempre o mesmo!
Esparguete outra vez?
Oh… Com frango ou com bifes, é sempre o mesmo. Vai um bocado de molho pra cima, daqueles da Knorr e o povinho acha que a receita é nova.
Pode ser que haja bolo ou gelatina.
Não! Tão ali a dizer que é fruta.
Outra vez?

Sabes? A mãe da mãe e a mãe do papá trabalharam aqui… A avó gostava muito porque eram muitas senhoras e tinha trabalho à porta de casa… Depois perguntas ao pai também. Sabes? O pai já volta amanhã e desta vez é capaz de ficar pra sempre!


FOTOS: Fábrica de curtumes de S. Mamede de Infesta (Matosinhos) demolida em Fev/08

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