quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Linha de montagem

A dureza do tecido obrigava-as a puxar muito pela linha na máquina. Às vezes até rebentavam os pespontos, e as mais novas olhavam em volta sem chegar a levantar a cabeça, sorriam aquela mais velha que ia ser a cúmplice do reparo. E o trabalho prosseguia…
O som era o de sempre, som de trabalho, som de rotina, som de sacrifício, som de ofício. Para umas, embora mentissem às vezes, era o som do inferno ensurdecedor de quem não encontrou alternativa. E havia as da arte.
Uma vez disseram-me: “Aquilo é a morte do cérebro!”
O cheiro era intenso, presente, denso, quase em forma de paladar. Sim, as peças, a rotina, o dia, tudo já tinha paladar. E, já só estranhava quem entrava a primeira vez, porque para os restantes… Estava entranhado… Entranhado no corpo, nos movimentos, na vida. Entranhado como se não existisse possibilidade de dar um passo em falso. E não havia!
A dureza dos moldes e do pano e das agulhas e dos acessórios e das cadeiras simplesmente alinhadas em frente à dureza das máquinas, faziam as mãos duras. Mais duras ainda! E ainda mais duras com o passar do tempo, à medida que se entranhava…
Também me disseram: “Era a melhor desta arte. Porque é uma arte”
E daqui passa para ali, e dali para acolá, e assim vai andando, tudo sucessivamente, não há lugar pra retorno, nem pra salto, nem pra nova indicação. Foram todas dadas, são todas assim, no seu lugar, na sua função, com o seu momento de pertencer à história diária do que acaba, talvez, em mãos menos duras.
Lembro-me de ser pequenina e perguntar à minha avó – demorou Aninhas mas cá estás – o que significava aquela sirene. “É pras senhoras entrarem ao serviço”. Porquê? Mas elas não saberiam as horas, não respeitariam o horário, não teriam o direito de prolongar, uma vez, o café, a malha feita sentada no muro ao sol (???)
“As máquinas não param, nina”.
Pois… às vezes param. Às vezes… param para sempre. Afinal a Aninhas, que não era deste tempo, não sabia que às vezes as máquinas param, as portas fecham, as paredes enfurecem-se e caem.
Mas o que é que vai acontecer? Qual é o prazo? Qual cooperativa? Desculpe, quantos milhões disse? Ah… acaba com um elemento poluidor, com as ruínas do passado, e com o vandalismo e com os comportamentos desviantes, e com o abrigo de alguns também. Está bem… mas… é habitação, são jardins… Ah… é estrada!
De facto, as máquinas não param e a Aninhas tinha razão, como sempre!

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