domingo, 24 de fevereiro de 2008

Como eram as paredes da minha infância?

Porque é que, quando era pequenina, o terraço me parecia um campo de futebol enorme, os canteiros eram hortas, e ter dois barracos atrás me parecia sinal de riqueza?
Nas paredes da minha infância os interruptores eram redondos, castanhos e ficavam no alto, muito lá no alto… Tão alto… A escuridão, das paredes da minha infância, à noite, estendia-se desde os interruptores altos à extensão dos corredores compridos…de uma casa tão pequenina e tão baixa que nem tinha tempo de ficar escura…
Porque é que, quando era pequenina, aquelas 15 escadas de pedra me pareciam tão intransponíveis, tão imponentes? Uma escadaria… Um desafio de 15 escadas em pedra.
Algumas das paredes da minha infância tinham cores por baixo de outras cores. Lembro-me que aquele lado da sala que estava sempre muito molhado e preto, descascava tinta branca e depois amarela e depois verde… Eram camadas, quase como se fossem – percebi muito mais tarde – camadas de tinta a indicar o trilho das gerações. Mas porque teria começado no verde? Porque teriam sido entretanto amarelas? Porque é que as paredes da minha infância já eram brancas, um branco orgulhoso que se achava o mais sóbrio e elegante de sempre.
Quando era pequenina, era preciso chave para ir ao frigorífico à noite e guarda-chuva para ir à despensa da garagem, quando estava a chover.
Quando era pequenina, fechava-se a porta de trás no Inverno para não entrar frio e se fazer um presépio gigante que tinha cor, luz, piscava, as imagens mudavam de lugar (achava eu que por magia), havia céu feito de tecido azul muito escuro e estrelas feitas de cartolina e papel de prata e um rio e uma ponte e água parada que eu acreditava ter vida, como acreditava que tudo tinha vida, sem perceber que a porta fechada mostrava o medo ao frio, o medo à morte.
As paredes da sala onde se via televisão, na minha infância, davam acesso às paredes dos quartos que eram pequenos, dizem-me agora, tão acolhedores, recordo-me bem. E para ir para o quarto, eu ia pela sala, e ao lado, mesmo ao lado e de portas abertas estava o quarto dos meus pais, e o da minha avó que era o mais pequeno, o mais acolhedor também.
Havia pregos nas paredes da minha infância, sinais do tempo, sinais das escolhas, sinais dos estilos, sinais de passagens. Havia riscos nas paredes da minha infância, sinais da minha infância…


(...)

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