sábado, 29 de dezembro de 2007

Uma noite como as viagens...

Um senhor em mangas de camisa, apesar de ser noite de Inverno, uma menina enterrada no cachecol e nas luvas, alguns que ignoravam o frio e rodopiavam as fatiotas porque a noite (que não é criança nenhuma) pode estar sempre, conforme a vontade e às vezes a força e outras vezes a necessidade, a começar e a acabar.
A começar e a acabar… havia também os que estão habituados ao cenário e já nem estranham o reboliço, embora, muito atentos, mantenham o ar de que estão a cumprir o seu papel.
Depois entrou um que não sossegava o telemóvel, contra todos os pedidos silenciosos dos outros, aquele que, mais tarde se descobriu, falava com sotaque brasileiro e ainda não sabia o que fazer na noite de Passagem de Ano. As outras já sabiam, até o convidaram, já tinham decidido que não iam dar tréguas à noite. Eram duas, uma, a extrovertida e que conhecia o brasileiro, outra, a tímida que queria conhecer.
Entretanto chegou um menino com o cabelo a tapar os olhos, pouco dado a viagens, estava irrequieto, atento ao movimento dos que cumpriam o seu papel na noite, e atento ao número de paragens que faltavam.
Por fim, um senhor de gorro, ar de estrangeiro, aquele tipo de estrangeiro que é antónimo de turista, cara muito gasta do frio, roupas de trabalho, olhos ávidos de calor, e mãos entrelaçadas a ensaiar o acender da fogueira, assim que chegasse a hora do destino.
Estava tudo composto. Anunciavam-se paragens, atrás de paragens. O primeiro a sair, como se previa foi o rapaz do cabelo estranho e camisa aos quadrados muito larga – passo rápido, a dar a sensação de que não se podia olhar para atrás. Depois saiu o senhor estrangeiro que não precisava, nem necessitava, nem tinha obrigação de olhar para trás. Seguiu-se o brasileiro, esse sim, saiu ainda como se tivesse dentro, com acenos e gestos efusivos, com o ar de quem pede para ser seguido, ou porque se quer uma boa conversa ou porque afinal se partilha a vontade de aprofundar conhecimentos.
A noite que começava para uns, e acabava para outros, como a viagem que acabava para uns e continuava para todos, aqueles que seguiriam com aqueles para quem também começava, estava fria, estava surda, apesar de não estar muda, enquanto permanecia pouco cega.
Chegaram
(a meio)… O senhor em mangas de camisa, que já agora era branca daquele branco que é trocado no roupeiro do trabalho quando o atrasado da hora não obriga a correrias, já tinha o casaco vestido e quase em posição de partida, correu estação fora.
Já a menina das luvas, sonolenta e friorenta demais para correr, acreditou na sua sorte, não desejando, naquele momento, mais sorte do que estalar os dedos e estar quente em casa, mesmo que isso dependesse de mais empenho que não depositava.

Alguém perguntou as horas, e alguém respondeu a custo.
Os da farda azul ficaram-se pela estação nova, elevaram a pose de trabalhadores da noite, cara de gente de respeito, pela gente de respeito.

Os outros seguiram viagem…
E a menina teve sorte ou azar porque ainda esperou mais 10 minutos pelo próximo. E aquilo que antes a impedia de correr, agora fazia-a mover de trás para a frente, como se o frio fosse uma cruz que carregava por não ter direito a outra, por inércia. O senhor que agora estava de casaco azul terminou um telefonema carinhoso, prometendo chegar rápido, e ensaiou duas vezes sentar-se no banco frio. Preferiu estar de pé.
Na espera interminável, e na
chegada (ao fim de linha) ainda houve mais intervenientes, outros nomes (que não se sabem, mas há sempre nomes) porque a noite que começava para uns e acabava para outros, é mesmo assim, como uma carruagem de metro, à sexta-feira à noite, pela uma da manhã, entre Matosinhos e a Trindade, até chegar ao S. João. Com rostos, com histórias, com desejos de partida e de chegada, e com nomes, mesmo que não se saibam quais. Quer dizer, o da menina até se sabe

Sem comentários: