quarta-feira, 18 de abril de 2007

A propósito de resistir ou não resistir (prenda a uma mãe reformada e cheia de brilho/brio)


São as romarias e os seus símbolos que explicam a história das comunidades, são festas como as em honra da Senhora da Luz que contribuem para explicar a identidade sociológica e história do povo de Creixomil. No fundo, são estes legados que prendem os Creixomilenses ao seu passado, constituindo um orgulho para quem os vive no presente.

A procissão de anjinhos da Senhora da Luz já tem um passado muito grande, não se sabe quando começaram, mas sabe-se que sempre foram fruto do fervor, da devoção e da entrega daqueles que nela participam e do empenho das senhoras que sempre a organizaram.

A procissão dos anjinhos é um dos números da festa mais esperados pela população e pelos devotos. Para os mais pequenos é como um segundo Carnaval, as roupas de cores coloridas, as asas e as espadas fazem parte do imaginário dos meninos de Creixomil e fazem da manhã da procissão um momento de festa e de diversão. Para os pais resta o orgulho de ver a sua Padroeira ser honrada pelas suas crianças. “Sentimos que fazemos parte da história. Cumprimos o nosso dever ao embelezar a procissão através dos nossos meninos”, explicam as mães quando levam as crianças a tirar medidas.

O momento em que se tiram as medidas é como um ritual de família, uma pratica que se repete de ano a ano. “Quando é que vamos tirar as medidas?”, ouve-se perguntar junto ao portão da casa da Dona Inocência. A “casa azul” da Rua dos Cutileiros vê esse ritual cumprir-se há mais de 34 anos e de geração em geração, as mulheres da casa lá se vão inteirando do processo… e todos dão uma mãozinha.

Tudo começou com a procissão do Senhor dos Doentes que era organizada pela Professora Dona Amélia Maia e pela irmã, Dona Maria José. Devotas da Senhora da Luz e habituadas a organizar as procissões de anjinhos, as duas irmãs foram convidadas a organizar a procissão do “Domingo da Pascoela”. No início, a procissão era abrilhantada apenas por três crianças, apenas três anjinhos caminhavam à frente do palio representando: “Fé, Esperança e Caridade”.

Entretanto o número de anjinhos aumentou para sete, eram todos vestidos numa garagem. No ano seguinte, o número aumentou para as 22 crianças e daí em diante foi aumentando sempre, assim como aumenta o número de pessoas que conhece a procissão e vem de fora adorar a Senhora da Luz e cumprir a sua promessa.

Em 1974 faleceu uma das irmãs, Dona Maria José, e a Dona Amélia pediu ajuda à Dona Aninhas Machado para organizar a procissão. Desde então o nº 1978 da Rua dos Cutileiros, paredes-meias com a casa paroquial, assiste a um entra e sai de crianças, pais e vizinhos, todos num frenesim contínuo e devoto.

No ano de 1993 faleceu a Professora Amélia Maia, uma senhora que sempre lutou por manter a tradição e por embelezar as Festas da Senhora da Luz. Devota e empenhada, a Dona Amélia sabia que deixava o legado em boas mãos, a Dona Aninhas partilhava o fervor pela Santa e o gosto pela procissão dos anjinhos. Mas três anos depois (1996) faleceu também a Dona Aninhas e a organização da procissão ficou entregue à filha – Dona Inocência e às netas.

Hoje em dia a procissão leva cerca de 100 anjinhos, todos de vestidos vaporosos, acessórios, mantos a rastos, ferramentas, flores e pombinhas. As figuras escolhidas são muitas e dependem da devoção ou da crença das pessoas. Desde o conjunto das Senhoras da Luz que acompanham o andor da Padroeira aos meninos da balança que circundam o andor de S. Miguel, existem ainda as Sagradas Famílias ou os conjuntos de anjos, príncipes e soldados.

“Faça chuva ou faça sol, não me lembro de não ver a Senhora vir à rua e dos anjinhos deixarem de se vestir”, é assim que a Dona Inocência, actual responsável pela procissão de anjinhos cativa os meninos e as mães do meninos mais reticentes por causa do tempo.

A “casa azul” vizinha da casa dos Senhores Padres está habituada a abrir a porta mais de 100 vezes todos os anos por altura da Páscoa. Não há hora para se tirar uma medida, a porta raramente está fechada e raramente se rejeita um pedido. “De que queres ir meu filho? Oh… já há tantos”, a Dona Inocência gosta de ver muitas figuras diferentes e conjuntos da Bíblia completos, mas acima de tudo, gosta de deixar os pais e as crianças satisfeitos.

“Às vezes até deixo queimar o estrugido. Mas não faz mal, só eu sei o que me custa ver que nunca mais chegamos às 100 crianças. Digo logo à minha filha, este ano vão ser poucos… mas a Senhora da Luz nunca me deixa ir levar as listas à armadeira com menos de 100 anjinhos”, diz com orgulho a organizadora.

E é verdade, a Nossa Senhora da Luz vela pela procissão, como vela pelo tempo para mandar vir sol e vela pelo seu povo, um povo cuja fé e devoção, o tempo não corrompeu.
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Festas em honra de N. Sra. da Luz - Padroeira de Creixomil, Guimarães
TEXTO: escrito em Abril/06

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