quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Os testamentos que provocaram o exílio

Delírio numa tarde de sexta-feira... (porque à sexta até sinto o cheirinho da comida da minha mãe e ouço as vossas vozes a divagar pelo centro histórico)

“…Leio um bom livro, sentada ao sol, numa mesa da esplanada da Oliveira. Pedi uma meia de leite e uma torrada. Olho para cima, a torre da igreja indica seis da tarde. Hoje ainda não vi passar ninguém conhecido, que é como quem diz, porque quando se está na terra, qualquer cara familiar é logo um amigo de infância. Se calhar cada qual está no trabalho, ainda não chegou a Guimarães, ou anda entretido a postar no blog. Começa a correr um friozinho, é escuro demais para iniciar outro capitulo e hora de me pôr a caminho de Creixomil. Volto logo à noite! Nem é preciso combinar sitio, entre o shot do Nicolino ou do Rock, havemos de encontrar pouso para os copos de fino. Vai estar frio… que nos valha a lareira do CAR e os outros componentes da boémia vimaranense. Começo a andar pelo caminho mais longo: casa do arco, laranjais, espreito a casa da Sofia (pra ver se vejo as gémeas), correios, olho com um sorriso para a casa da Cat (lá estão as bandeiras a provar que ali mora a mais portuguesa de todas as residentes em Cabo Verde), rua Gil Vicente, os saldos já estão a acabar, ao atravessar a rua consigo ver a Xico, vou pelo estádio ou pelo mercado abaixo? Não, hoje vou voltar a usar os TUG, já tenho saudades daquele Mercedes verde que me levava e trazia da escola. No fundo tenho saudades de tudo e vontade de matar saudades de ti, e de ti, e de ti... da cidade, dos mil chafarizes barulhentos, da vida de estudante que ainda não sabia o que era uma batina, mas já era feliz de maçaneta na mão e bombo na outra. Saudades das tascas e do bolo com sardinhas e das idas ao Carmo conviver com os arbustos e com a ilusão que o jardim nos dá. Pago a senha do autocarro sem remorsos, porque afinal estou a contribuir para a economia da cidade. Cheguei a casa com a intenção de jantar rápido. Vejo o telejornal, mas as desgraças do mundo não me tiram o sorriso dos lábios, porque sorrir faz bem à mente e ao coração…”

"Relato" de uma reporter aclubista

CONTEXTO: Estou, desde início de Janeiro, a fazer peças para a Agência de Noticias Lusa. Faço o acompanhamento diário do Vizela Futebol Clube, da Liga de Honra de futebol, divisão que nós, maioria vitorianos nos estamos a habituar a seguir, já com algum alívio, já que tenham medo, muito medo, o 55 (Hélder Cabral, defesa esquerdo do VG) é sempre titular, logo afundarmo-nos numa 2ª Divisão B, não é de todo uma miragem. Bem, mas lá ando eu empenhada em arranjar notícias sobre o Vizela, quando olho para o calendário desportivo e vejo-me na iminência de cobrir o jogo Vizela X Vitória de Guimarães (domingo, dia 28, no estádio vizinho, às 15h00).

RELATO: Assumo uma postura profissional! Nervosa? Naturalmente, já que estou a começar nestas andanças e tinha logo a minha prova de fogo. Vou para o estádio com uma hora de antecedência, não fossem os adeptos dos VG entupir as estradas até lá ou as rádios e jornais a zona de imprensa do estádio. Computador montado (até comprei uma tripla, na loja dos 300, porque sou uma pessoa prevenida e não fosse ficar sem bateria), folha de word pronta com ficha para preencher e Internet ligada com as páginas oficiais dos clubes, não fosse o diabo tece-las e eu ter de ir fazer alguma investigação, que não tinha feito no homework. Começa o ambiente no estádio, com o speaker do Vizela de um lado e os da Santiago e Fundação do outro (belas companhias imparciais e silenciosas). E penso eu: “Vou ficar a tremer por todos os lados quando começar o jogo”. Engano! Nem sofrer sofri, a adrenalina por ter de escrever a peça, olhar para o cronómetro, estar atenta a substituições, lances, quem remata cruzado, de quem é a assistência, defesa difícil, sacudidela com os punhos, trave, poste e ferro, jogo, encontro, partida, confronto, onze inicial, suplentes, formação, turma, equipa, conjunto, anfitrião, clube da casa e reduto do Vizela, cartão, cartolina, advertência, quatro linhas, reforço de Inverno, contra-ataque, bolas paradas e bla bla bla… Que dei por mim, sem clube, sem coração e sem sofrimento, como se a responsabilidade me tirasse a alma. Penalty justo para os da casa, duvidoso para visitantes (novidades?), mais uns lances e expulsão, justa para os da casa, duvidosa para visitantes (passo a repetição), novo golo, protestos e posse de bola repartida, gritos de raiva e de felicidade, fim do jogo: Vizela-2 Vitória de Guimarães-0. Envio o comentário e arrumo o computador, vamos à conferência. Entra Carlos Garcia, técnico dos vizelenses, responde, cumprimenta, sai. Entra Manuel Cajuda, critica, franze a testa, vai embora. Penso: "acabei" (suspiro de alívio). Mas há confrontos, toca perguntar à GNR, saber o que se passa: foram presos, não foram… Carro/estrada/casa. Escrevo outra peça para a Lusa com declarações dos treinadores e comportamento dos adeptos. “Tou, daqui colaboradora do Vizela. Receberam os textos?”. Desligo. Fim.

Restou-me procurar o vitoriano mais próximo, no caso o meu pai que estava na cozinha a satisfazer o estômago, para ver se o coração e a mente esqueciam a tarde. Resmungo alguma coisa sobre a prestação da equipa. “Então já mandaste os trabalhos todos?” – pergunta ele preocupado. “Sim. Já quem está aqui à tua frente é a adepta” – foi a resposta politicamente correcta.

Nunca, e quem me conhece que se sinta orgulhoso por favor, pensei ser, por duas horas, aclubista (esta palavra não existe claro, mas vocês percebem). Saibam amigos, de qualquer forma que a alma já voltou a ocupar o seu lugar. Afinal ao Vitória, mesmo nas desgraças, há uma coisa que ninguém tira – o nome!


(textos retirados do blog do grupooooo - povo de Guimaraães, num momento em que os "testamentos" que escrevo foram alvo de censura. Coincidências ou não, surge o meu blog, mas não é minha intenção "estupidificar" o link do grupooooo aqui mesmo ao lado)

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