segunda-feira, 22 de setembro de 2014

TREMER


Foi no tempo da inocência toda. Quando não tinha medo do futuro. As palavras saiam sem filtros. Com a insegurança toda que o tempo da inocência acarreta, mas sem filtros. Lembro-me, no entanto, de tremer. Não tinha medo de tremer. Saboreava. Não há vez que ali volte que não sinta a espinha gelada. Uma saudade da inocência. Uma angústia face à ausência dela. Os movimentos estavam, isso é facto, constrangidos. Persentia-se, desejava-se o pretexto rápido. Os movimentos fluíram entretanto. O passado roubou-lhes o constrangimento. O futuro camuflou-se de anestesia. Não há vez que por ali passe e não me arrepie a nitidez como me recordo do tremer. Foi no tempo em que não tinha medo de ter medo. Foi no tempo em que o medo não sabia sequer que existiam filtros. A fluidez dos movimentos explica-se no contraditório, na ausência de inocência, na perspectiva da espinha gelada. Não há vez que ali me sente que não sinta, contraditório outra vez, a ausência de sentir, apesar do tremer todo me tomar conta do corpo, apesar de ter os filtros todos em alerta. Foi no tempo da ausência de passado. No tempo da inocência do futuro todo.       

...

Sem comentários: