sábado, 22 de fevereiro de 2014

TAXI n.º 273


Sobre a miséria de ter gasto todos os créditos de bateria dos dois gravadores com políticos… Numa noite em que voltei a questionar – desta vez tão profundamente e dramaticamente ao ponto de quase fazer aquele telefonema adiado da desistência – o que estou eu a fazer/investir/lutar numa função que não domino por não ter competência, eis-me salva por aquilo que nunca soube explicar: o amor aos táxis misturado com a noite, misturado com a chuva da Invicta.
Admito, de imediato, que não saberei expressar-me bem. Não pelo travo de cevada ainda leve. Mais pelo medo, pela culpa, pelo desespero de ter sido (SER) incompetente. E mais ainda pela certeza de que não se expressa uma sensação que se mistura com chuva e com noite…
O sr. José Barreto, sem o saber, salvou-me a madrugada. O taxista/poeta, sem o ter percebido, provavelmente e ainda que correndo o risco de parecer, outra e mais uma vez dramática, salvou-me hoje a vida.
Quis chegar rápido a casa tão fortemente quanto quis que a viagem se prolongasse.
Começou por ser um poema sobre a Invicta, acabou no poema sobre a nudez de Eva, depois de uns tantos versos inspirados em Garrett, em Nasoni e até nas imagens de José Luís Peixoto. Todos de “punho” próprio. “Inspiro-me ao ver, na postura, as gentes a passar”.
Perguntei-lhe se amava conduzir e se amava a noite… Só assim perceberia o “desaproveitamento” de talento apostado num táxi… “Sou um volante, menina… É o que sei ser… Um volante”.
Que miséria ter gasto a bateria de dois gravadores com os políticos que nem soube interpretar bem: nem a gosto profissional/pessoal e muito menos a contento da chefia. Muito menos com a destreza e rapidez que busco como apanágio de mais-valia para a tarefa que me destinam…
Numa noite em que só queria chegar a casa para esquecer a incompetência, fui salva por um táxi, salva por um taxista/poeta.
“Gostava de ter gravado esta viagem…”, disse-lhe, depois de confessada a profissão e o lamento de estar a fazer parte de um possível último serviço. “Chame-me, menina, a qualquer hora da noite e onde esteja e dou-lhe boleia e poemas”, respondeu-me o sr. José Barreto que até quis fazer desconto, quando merecia era ser pago pelo transporte/literatura em dobro, quando lhe contei, com uma espontaneidade e à vontade que nem nos confidentes mais próximos reconheço, o porquê de não necessitar de fatura no fim e o porquê de não partilhar o mesmo amor à estrada.
Menos de 10 minutos de viagem (algures entre a Casa da Música e a Fundação Cupertino Miranda em passo largo para o Hospital S. João, num pingo pela certeza de que só a chuva lava a convulsão cerebral) pareceram horas inteiras de alento oferecido por uma generosidade simples só reservada aos seniores e aos sábios – o taxista/poeta sr. José Barreto do n.º 273.
Que miséria não saber expressar-me bem agora mesmo. Nem mais travo de cevada desempecilha isto: esta fraca incursão pelo desabafo.
Que miséria porque a poesia de um trajeto frio e com chuva, numa Invicta deserta que tinha tudo para me engolir viva tal era (É) a sensação de incompetência, merecia.
Ganhei a noite dentro de um táxi depois de horas a "ganhar a vida" com política.
Perdi a noite por falta de bateria e de memória porque os poemas mereciam mais precaução, mais desenvoltura no resumo escrito em forma de agradecimento ao poeta/taxista.
Perdi a vida na conclusão, obvia ainda que outra vez adiada, de que falta capacidade, destreza, rapidez, onde sobra incompetência.

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