Sobre a miséria de ter gasto todos os créditos de bateria dos dois
gravadores com políticos… Numa noite em que voltei a questionar – desta vez tão
profundamente e dramaticamente ao ponto de quase fazer aquele telefonema adiado
da desistência – o que estou eu a fazer/investir/lutar numa função que não domino
por não ter competência, eis-me salva por aquilo que nunca soube explicar: o
amor aos táxis misturado com a noite, misturado com a chuva da Invicta.
Admito, de imediato, que não saberei expressar-me bem. Não pelo travo
de cevada ainda leve. Mais pelo medo, pela culpa, pelo desespero de ter sido (SER)
incompetente. E mais ainda pela certeza de que não se expressa uma sensação que
se mistura com chuva e com noite…
O sr. José Barreto, sem o saber, salvou-me a madrugada. O taxista/poeta,
sem o ter percebido, provavelmente e ainda que correndo o risco de parecer, outra
e mais uma vez dramática, salvou-me hoje a vida.
Quis chegar rápido a casa tão fortemente quanto quis que a viagem se
prolongasse.
Começou por ser um poema sobre a Invicta, acabou no poema sobre a nudez
de Eva, depois de uns tantos versos inspirados em Garrett, em Nasoni e até nas
imagens de José Luís Peixoto. Todos de “punho” próprio. “Inspiro-me ao ver, na
postura, as gentes a passar”.
Perguntei-lhe se amava conduzir e se amava a noite… Só assim perceberia
o “desaproveitamento” de talento apostado num táxi… “Sou um volante, menina… É
o que sei ser… Um volante”.
Que miséria ter gasto a bateria de dois gravadores com os políticos que
nem soube interpretar bem: nem a gosto profissional/pessoal e muito menos a contento da
chefia. Muito menos com a destreza e rapidez que busco como apanágio de
mais-valia para a tarefa que me destinam…
Numa noite em que só queria chegar a casa para esquecer a incompetência,
fui salva por um táxi, salva por um taxista/poeta.
“Gostava de ter gravado esta viagem…”, disse-lhe, depois de confessada a profissão e o lamento de estar a fazer parte de um possível último serviço. “Chame-me, menina, a
qualquer hora da noite e onde esteja e dou-lhe boleia e poemas”, respondeu-me o
sr. José Barreto que até quis fazer desconto, quando merecia era ser pago pelo
transporte/literatura em dobro, quando lhe contei, com uma
espontaneidade e à vontade que nem nos confidentes mais próximos reconheço, o
porquê de não necessitar de fatura no fim e o porquê de não partilhar o mesmo
amor à estrada.
Menos de 10 minutos de viagem (algures entre a Casa da Música e a Fundação Cupertino Miranda em passo largo para o Hospital S.
João, num pingo pela certeza de que só a chuva lava a convulsão cerebral) pareceram horas inteiras de alento oferecido por uma generosidade simples só reservada aos seniores e aos sábios – o taxista/poeta
sr. José Barreto do n.º 273.
Que miséria não saber expressar-me bem agora mesmo. Nem mais travo de
cevada desempecilha isto: esta fraca incursão pelo desabafo.
Que miséria porque a poesia de um trajeto frio e com chuva, numa
Invicta deserta que tinha tudo para me engolir viva tal era (É) a sensação de
incompetência, merecia.
Ganhei a noite dentro de um táxi depois de horas a "ganhar a vida" com política.
Perdi a noite por falta de bateria e de memória porque os poemas
mereciam mais precaução, mais desenvoltura no resumo escrito em forma de agradecimento
ao poeta/taxista.
Perdi a vida na conclusão, obvia ainda que outra vez adiada, de que
falta capacidade, destreza, rapidez, onde sobra incompetência.
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