segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Café (verdadeiro) da minha rua

“Existia há muito mais de trinta anos… Ainda o Aires dava filmes nas paroquias…”. Para quem não sabe (eu não sabia) “dar filmes” assemelha-se a “projectar”. “Dar filmes nas paroquias” era uma actividade que, nos anos 70 (penso eu… se calhar antes), era muito comum e dava para ganhar uns trocos à parte do emprego diário.
Bem, tudo isto a propósito da notícia que me despertou no fim-de-semana passado e por causa da qual este fim-de-semana dei por mim a fazer a pergunta. “E agora? Tomo café onde?”.

(Falta cheirinho a café nesta "reflexão"... Falta o entusiasmo de querer muito projectar um sentimento. Exige-se sentido prático!)
“Por motivos pessoais, este estabelecimento encontra-se fechado”. O café da minha rua, da minha infância, dos meus fás de cores diferentes a saber a corante e a fazer ranger os dentes, o café dos cafés no sentido literal da palavra porque o café sabia mesmo a café, fechou.
Não vendia jornais, nem tinha guloseimas muito elaboradas, mas tinha uma camisola do Pedro Espinha autografada na parede que ostentava um orgulho que até os mais novos, os filhos dos de sempre e netos dos daquele tempo, percebiam sem nunca terem imaginado que pelo Vitória passou um Pedro Espinha que, só por acaso, frequentava o café da minha rua.
Tinha mesas de bilhar que muito provavelmente viram começar muitos namoros e a rapaziada toda à porta, sentada no asfalto, a fumar cigarros avulso e a comprar Super Bock a meias. E a “menina do colégio” passava e comentava-se que “ela não era de dar treta” ou “que tinha o nariz muito empinado”.

Teve um espanhol que embirrava com os clientes que pediam a colher para mexer o café e não usavam açúcar. O pai da Isabel das explicações de francês e marido da Laurinda que organizava o carro do cortejo da Senhora da Luz.
O café da minha rua, onde todos os primos iam buscar gelados fiado porque “alguém da família há-de vir cá e acertar contas”… Onde ia comprar maços de tabaco para o meu tio, quase escondida, qual cúmplice de travessura de homem já grande…
“Oh Jonny… Hoje são dois… É ou não é? Afinal de contas quando saíres daqui vais tomar café a qualquer lado com teus amigos?” – onde conquistei idade para tomar café, e que café, com o meu pai, sob o olhar atento do meu avô que tomava um carioca de café “compridinho”.
Os mesmos treinadores de bancada de sempre. A “esplanada” improvisada para ver o Sr. do Beco lançar foguetes pela vitória do Vitória (passo redundância).

Tinha uma tômbola com bolinhas coloridas que podiam ser sinónimo de uma caixinha de drajeias ou de um chocolate tamanho familiar.
O café da minha rua… O bom café da minha rua… O S. Miguel. Fechou.
(Não há coerência no uso de pontos entre verbos e nomes próprios que deviam estar ligados… É a tal dificuldade em verbalizar. Casos. Consumados.)

...

1 comentário:

Unknown disse...

Também tenho dois cafés assim, ainda não fecharam mas deram-se reformas dos donos e das instalações e isso também faz mexer e sentir que algo se fecha. Há uma ligação, a das pessoas que se lembram do passado e não deixam de entrar no café como se de uma continuidade se tratasse. Sou muito reticente com as mudanças, até das pedras fora dos sitio eu gosto, mas no fim de contas lá me vou habituando. Mais vale mudanças que decadência.