segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Luz


As pessoas precisam sempre de luz, sempre de sol, sempre de claridade, mesmo quando elegem a noite como melhor cúmplice, esperam, sabem, e esperam sempre, a aurora, a luz.
Às vezes, além de precisarem de luz, há quem precise de ver a luz. E há aqueles que a sabem sentir, e os que não sabem, e ainda aqueles que acham que a sentem e são donos dela, e os que só a querem avistar um bocadinho. Contentam-se com pouco, talvez… Ou se calhar contentam-se com tudo.
Uma noite, muito iluminada, uma noite em que tinha a luz brilhante (de sempre) ao meu lado, apesar de ser noite, tinha a luz (cada vez mais), luz que chegou mais cedo, quando ainda (já) era de noite, lembrei-me de uma história:

Há muitos anos atrás (ou ontem, ou sempre) existiu um reino daqueles que têm príncipes, princesas, cavaleiros de espada, alguns só de palmo e meio, artesãos que trabalham mesmo à porta da oficina a ver passar as carruagens de forasteiros, ciganas de mão estendida, gente de trabalho, gente de (nas) tascas, gente num frenesim, e gente que respira, muita gente, um reino normal com um rei e uma rainha, muito protectores, bons, mas protectores, e às vezes não eram tão bons, porque eram demasiado protectores, muitos criados, aqueles fieis, e do outros também, e existia uma feiticeira que cobiçava o reino (mesmo sem saber porquê, simplesmente, cobiçava sem ter descoberto porquê), e existia uma princesa doente…

Um dia o rei resolveu pedir ajuda à feiticeira porque temia pela vida da princesa, e nesse dia (que foi há muitos anos atrás, ou mesmo só ontem, mas foi um dia de coragem, que exigia coragem), a feiticeira ajudou o rei, mas quis o reino em troca. Pai, porque era pai, antes de rei, apesar de existirem tantos que são reis antes de serem pais, entregou o reino à feiticeira, mas quis saber o segredo da cura da filha…

“Vou mostrar-lhe o sol, esperar que ela receba o sol, vê-la a aproveitar o sol, e o sol vai fazer o resto” – disse a feiticeira, agora rainha, sem bondade, só cobiça, a feiticeira rainha, ou rainha feiticeira que conhecia a formula do sol, apesar de viver na escuridão da noite.
A menina, porque já não era princesa, ficou boa, sem fortuna, sorridente, e passou a gostar da aurora como o melhor momento do dia, dos seus dias iguais, de vendedora ambulante, e de olhos serenos a ver as carruagens de forasteiros passar.

A menina, e entretanto o rei também, e depois a rainha, e muitos dos súbditos, que já não eram súbditos, souberam apreciar a luz. Aprenderam! “Às vezes só é preciso um pouco de coragem” – disse a menina a um dos forasteiros, aquele que a queria levar a conhecer a luz pelo mundo fora.

E ela foi, ou vai um dia…

FOTO: Mosteiro de Leça do Balio, Matosinhos // Feira Medieval “Os Hospitalários no Caminho de Santiago” // Setembro de 2007.
Uma foto com luz, uma luz partilhada, corajosa, convidativa, repetida, ou não, uma luz… de um dia, sem luz (ou com pouca), mas que apelava à coragem!

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