terça-feira, 20 de julho de 2010

"Senhor director, venho apresentar a minha demissão"

Todos pensámos fazê-lo, poucos arriscaram. Despedir-se sem novo emprego garantido envolve cada vez mais riscos. Mas pode ser uma oportunidade de mudar para melhor

"Estava numa reunião e comecei a fazer desenhos. Um colega anunciou que em Setembro ia trabalhar para as vindimas e eu só imaginava a sorte dele. Comecei a pensar que gostava de escrever e que devia sair da empresa. Talvez em Setembro, pensei. Olhei para o relógio. Estava um calor de morte naquela sala. E se fosse hoje? E se fosse agora? Saí, vim para a rua, tirei a gravata, mesmo à filme. Nunca mais voltei." O guionista João Quadros recorda aquele dia de há 16 anos como "o mais feliz da sua vida". Aos 30, era director de recursos humanos, ganhava "optimamente", mas não era feliz. A decisão foi tomada a quente e valeu a perplexidade de colegas e família: "Pensaram que estava maluco."Largar de forma voluntária um emprego fixo a troco de uma posição incerta no mercado de trabalho pode parecer insensato, mas também pode ser proveitoso. "É a forma errada de pensar mas a certa para vencer", defendeu um dos mais respeitados criativos da publicidade, Paul Arden, no livro "Whatever You Think, Think The Opposite". "Se fores bom, e estiveres no emprego certo, a tua carta de demissão não vai ser aceite. Se aceitarem a tua demissão, estavas no emprego errado e é melhor continuares à procura."
O preço da liberdadeA decisão envolve riscos proporcionais aos compromissos financeiros. Na altura, João Quadros não tinha filhos e era solteiro. Em Setembro foi para as vindimas com o amigo. No mês seguinte, depois de participar num curso de escrita criativa, já recebia tanto como no emprego anterior, com a diferença substancial de que fazia o que sempre quis. Escreveu para Herman José (lembra-se do "Eu é que sou o presidente da junta?"), Maria Rueff e Bruno Nogueira. Hoje é um dos guionistas do programa "Lado B". Não tinha contactos, nem formação superior na área, mas tinha o mais importante: um objectivo. Filipe Fidanza, director-geral da Work Shop - Centro de Orientação de Carreira, confirma-o: "A mudança deverá transmitir um rumo; não deve existir sem explicação fundamentada." Não é preciso sentir-se infeliz para decidir despedir-se. "A mudança é benéfica quando a actual posição já não constitui um desafio", adianta Fidanza. Talvez tenha sido por isso que Daniel Deusdado abandonou a revista sobre empreendedorismo que ajudara a criar, a "Ideias e Negócios", que até incluía a rubrica "Despeça-se já!". Em 2001 embarcou com a mulher num projecto próprio de produção de conteúdos para média, a Farol de Ideias. "Na primeira noite não dormimos, a pensar no que tínhamos feito. O primeiro ano foi muito difícil, tal como é para todas as empresas, dizem os estudos." Se está a ficar entusiasmado, Filipe Fidanza alerta que o mercado de trabalho perdeu valor nos últimos dois anos. "Os próprios orçamentos para as novas posições são de forma global inferiores, diminuindo a capacidade de atrair quadros 'empregados'". A legislação protege quem tenha um emprego estável e convida à pouca mobilidade. "Não haverá muitos quadros que se disponibilizem a dar um salto no desconhecido porque, na prática, isso tem um preço", reforça. Os que o fazem sucumbem a algo de incontornável na expressão "despeço- -me": uma inversão de papéis com a entidade patronal que exacerba o ego, traduz João Quadros. Um "alívio" para uns, "liberdade" para outros. Em qualquer das situações, um novo começo. por
Margarida Videira da Costa, Publicado em 15 de Julho de 2010 Jornal i
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