quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

CV



*A tua Rua 5 de Julho*

Foram três dias de Tarrafal. Conheci o “campo da morte lenta”. Conheci as latrinas, as celas antigas, a suposta solitária, a cantina, os tanques de água. a frigideira! “Como é que se pode transformar um paraíso destes num Campo de Concentração”, disse-me a Cat que tem, e agora sei-o, toda a razão. A professora que dá aulas numa sala do campo de concentração mas não sabe onde está nem que importância teve aquele local para a história do “Ultramar” (aspas). Essa história que também conheço mal. Essa história que muitos devem ter presenciado e sentido naquela suposta solitária. “Suposta” (aspas, novamente). Calar vozes não cala pensamentos. Acrescentar dores não substitui sentimentos. Há que murmurar até que alguém ouça numa qualquer solitária da ala dos cabo-verdianos ou na ala dos angolanos ou na ala dos presos políticos vindos da “Metrópole” (exigem-se aspas). História de uma época que Portugal tem tratando de lembrar, apagando aos poucos. Ou ao contrário! Já em Cabo Verde a palavra “independência” mantém-se presente. Algo dissimulada! “Cabo Verde está em construção há 30 anos”, disse-me o Hélder quando, numa das nossas mini-viagens de carro, lhe perguntava porque existiam tantas casas em cimento e por acabar. “Cabo Verde não pára”, concluiu como quem quer concluir o tema.
Tarrafal: assaltas as memórias e entras dentro das pessoas!
Uma vez tive medo, muito medo, que isto dure muito tempo. Na vez em que só molhei os pés. Molhei a água.
Na Ponta de Atum as pedras afunilaram-me/anularam-me. Deslumbrada com a beleza do espaço/fixada no recorte das rochas. Bonitas pedras/Grandes pedras. Os rapazes saltam para uma gruta e saem do outro lado, assim como na praia do Príncipe saltam do matadouro. A adrenalina deles. O meu nó no estômago. Só de olhar.
A cidade da Praia tem uma beleza autóctone. As casas que parece que não param de nascer e não param de ser construídas porque não pára a construção porque a construção da maior parte das casas está parada e não pára de nascer. Sori explica-me que há muita construção clandestina e Cat explica-me que há confusões sobre de quem são os terrenos, da Câmara, do Estado ou Particulares.
Gosto de ver as pessoas idosas à janela. A pele muito negra e os cabelos muito brancos.
Gosto do banco de jardim da Praça Sofia onde conversei horas com a Cat.
Ainda nos falta falar de tanta coisa porque ainda não falamos de nada e já falamos tanto. Nem sei se comece a falar.
Gosto do Sr. da Foto Tony onde há telefone público para chamadas internacionais a custar 30 escudos.
Também gosto da Lizete que tem duas filhas, a Tifani e a Miriam. 10 e 2 anos. Tem carinha de menina. Pergunta as coisas de forma delicada e vai limpando a casa da Cat timidamente, mas tão familiar, quase em silêncio como se não quisesse perturbar-me a leitura ou o raciocínio. Lizete: delicada, sincera, forte, uma menina que tem duas meninas.
Aqui só encontrei pessoas sinceras e corações abertos.
A Iara, o Sori, o Hélder – o meu Super Guia Favorito –, o Helker. A panela emprestada para fazer bacalhau à brás, ontem quando dei a túnica, provei grogue e viajei para além de uma mesa de bilhar sem hora.
Acho que há diferença entre pessoas bonitas de coração cheio e pessoas bonitas de coração aberto.
Gosto de misturar expressões e palavras: Kasa Bela, Serra Malagueta, Cachupa e Cachupada, Café Sofia, Palmarejo e Bairro Brasil, Búzios com molho de limão na Achada de Santo António, mergulho com a lua cheia na Prainha, Associação Santiago Sul e a “assembleia geral” na Zita, Sucupira.
… Na casa da Elsa, de “A Semana”, mãe da Ritinha que divide comigo a taça de camoca, a Cat dorme e eu observo com leveza…

...E a caminhar descalça pelo Plateau até à tua Rua 5 de Julho...antes e depois...no regresso e à ida ou ao contrário!
...

1 comentário:

Por: Catarina Abreu disse...

Grande trabalho de síntese que fizeste tu desta minha vida e dessa tua experiência. a minha vida pelos olhos de outra pessoa, de uma pessoa minha..

meu CV, teu CV :)