segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Sobre nascer (e descobrir também)

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Nasci a primeira vez em 28 de Maio de 1922. Isto num domingo. Chamaram-me Sontinho, diminutivo de Sonto. Pela parte da minha mãe, claro. Por parte do meu pai fiquei José.
Aonde? Na Av. do Zichacha entre o Alto Mae e como quem vai para o Xipamanine. Bairros de quem? Bairros de pobres.
Nasci a segunda vez quando me fizeram descobrir que era mulato. A seguir fui nascendo à medida das circunstancias impostas pelos outros. Quando o meu pai foi de vez, tive outro pai: o seu irmão. E a partir de cada nascimento eu tinha a felicidade de ver um problema a menos e um dilema a mais. Por isso, muito cedo, a terra natal em termos de Pátria e de opção. Quando a minha mãe foi de vez, outra mãe: Moçambique.
A opção por causa do meu pai branco e da minha mãe negra.
Nasci ainda mais uma vez no jornal "O Brado Africano". No mesmo em que também nasceram Rui de Noronha e Noemia de Sousa. Muito desporto marcou-me o corpo e o espírito. Esforço, competição, vitória e derrota, sacrifício até à exaustão. Temperado por tudo isso.
Talvez por causa do meu pai, mais agnóstico do que ateu. Talvez por causa do meu pai, encontrando no Amor a sublimação de tudo. Mesmo da Pátria. Ou antes: principalmente da Pátria. Por causa da minha mãe só resignação.
Uma luta incessante comigo próprio. Autodidacta.
Minha grande aventura: ser pai. Depois eu casado. Mas casado quando quis. E como quis.
Escrever poemas, o meu refúgio, o meu país tamém. Uma necessidade angustiosa e urgente de ser cidadão desse país, muitas vezes altas horas da noite

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Depoimento autobiográfico, Janeiro de 1977
José João CRAVEIRINHA

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